Em Antônio João, Mato Grosso do Sul, uma fazendeira resolveu fazer da despedida de sua terra um ato simbólico. Roseli Ruiz, empresária e última ocupante de uma área marcada por um conflito agrário que já dura 27 anos, avisou que só deixará a Fazenda Barra após entregar as chaves da propriedade pessoalmente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula deve visitar a região no próximo dia 25 para testemunhar o fim deste capítulo.
A decisão de Roseli ecoou no discurso de Marcelo Bertoni, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul). Em vídeo divulgado nesta terça-feira (12), Bertoni reforçou o valor simbólico da entrega das chaves como uma forma de encerrar décadas de impasse e tensão, e marcar o início de um recomeço. “A Roseli já está se despedindo da fazenda, retirando suas coisas. A entrega das chaves na mão do presidente Lula e do ministro Gilmar Mendes será o marco para que ela saia”, afirmou Bertoni.
O acordo que encerra décadas de conflito - Para viabilizar a desocupação de 11 propriedades na região de Antônio João, o governo federal depositou R$ 27,8 milhões como compensação aos proprietários. As terras, incluindo a Fazenda Barra, foram reconhecidas em 2005 como território tradicional dos kaiowá, mas o impasse com os fazendeiros resistiu por quase duas décadas, levando a episódios de violência, inclusive a morte de um indígena neste ano.
Marcelo Bertoni, que acompanhou de perto as negociações, vê no gesto de Roseli uma possibilidade de fechar a história com dignidade. “Foram 27 anos de conflito, e os produtores estavam fora de suas terras. Este acordo é um passo importante para que a gente consiga resolver as questões indígenas no Brasil, e que todos possam seguir em paz”, pontuou Bertoni.
Roseli Ruiz e seu marido, Pio Queiroz, são os últimos produtores na área e permanecem na Fazenda Barra sob vigilância da Polícia Militar, que assegura a ordem até o momento da entrega oficial. Enquanto isso, Roseli vai finalizando sua despedida da terra, que cuidou por tantos anos. A decisão de esperar por Lula representa, para ela, o respeito ao processo e o desejo de que a transição seja feita com solenidade.
Portão das Fazendas Fronteira, Cedro e Barra, onde persiste a tensão entre fazendeiros e comunidades indígenas.
A história de uma terra em disputa - Reconhecida como território kaiowá, a região de Ñanderu Marangatú abrange 9,1 mil hectares, oficialmente destinados aos indígenas desde 2005. Mas a disputa pela área começou ainda nos anos 1950, quando os kaiowá foram expulsos do território, que passou a ser ocupado por fazendeiros. Enquanto indígenas recordam a presença de suas comunidades na área há séculos, alguns fazendeiros remontam a ocupação a 1863, quando o local ainda fazia parte do Paraguai.
Marcelo Bertoni acredita que o desfecho, liderado pela entrega simbólica de Roseli, poderá se tornar um modelo para outros conflitos de terra no Brasil, abrindo caminho para resoluções pacíficas e dialogadas. A entrega das chaves ao presidente Lula e ao ministro Gilmar Mendes encerra não apenas uma disputa legal, mas também um longo e doloroso ciclo de conflito e incerteza para as famílias da região.