O aposentado Jerônimo Alves de Almeida, 79 anos, foi surpreendido na terça-feira, dia 9 de setembro, quando o assunto do dia era a prisão do prefeito. Até as primeiras mensagens nos grupos da cidade, pouco se sabia das razões que levariam Terenos, município distante pouco mais de 30 quilômetros da Capital, a ter seu primeiro gestor municipal atrás das grades.
“Eu escutei a turma falando por fora que prenderam o prefeito”, disse ao Jornal Midiamax quase dois meses depois daquela terça em que agentes do Gaeco e Gecoc (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) mudaram a calmaria da cidade com intensa movimentação policial.
A cuidadora Zenilda Leão Ferreira, 54, relata a frustração. À reportagem ela mencionou o constrangimento de ver a cidade onde vive há mais de uma década estampada nas manchetes policiais.
“A gente ficou muito chateado, muito triste. A gente não esperava por isso. A gente quer ver a cidade crescer, melhorar”, afirmou.
O sentimento é compartilhado também pelo motorista Marcelo Rodrigues Martins, de 46 anos. Nascido e criado em Terenos, ele vê o atual momento da cidade como um retrato do abandono.
“O sentimento que eu tenho é de abandono. A cidade está abandonada. No meu bairro mesmo é só lama, terra e buraco”, disse ao comparar as condições da cidade diante dos milhões desviados pelo esquema liderado pelo prefeito Henrique Budke, do PSDB, segundo denúncia do Ministério Público de Mato Grosso do Sul.
Efeito no emocional coletivo
Operações policiais de grande porte em cidades pequenas, como a ocorrida em Terenos, podem impactar significativamente a condição psicossocial da comunidade. A avaliação é do psicólogo João Pedro Nowak, que explica que o abalo na confiança de figuras públicas atinge o “vínculo emocional que sustenta a vida coletiva”.
A população do município, alvo da Operação Spotless em setembro deste ano, agora vê a cidade como objeto de ação que investiga fraudes em licitações de obras públicas. A operação levou para prisão o prefeito Henrique Budke (PSDB) e outras 15 pessoas conhecidas pela comunidade local.
Segundo Nowak, em cidades menores, figuras como prefeitos e vereadores se apresentam de modo muito próximo ao cotidiano da população. “Quando essas figuras são investigadas, o que se abala é a confiança simbólica que organiza o cotidiano”, analisa.
O psicólogo pontua que, a partir disso, precipita-se um “sentimento de vulnerabilidade compartilhada”. “É como se a lei e a palavra perdessem o seu valor e revelassem o seu sentido frágil, a sua instabilidade”, detalha.
Operação e afastamento
A calmaria da cidade de 18 mil habitantes, cuja economia é baseada no comércio e no agronegócio, foi alterada naquele início de setembro. A Spotless teve 59 alvos, a maioria entre os próprios conterrâneos, fato que segundo os moradores ampliou a sensação de frustração.
“Gente que se viu obrigada a se envolver no esquema para conseguir trabalhar”, pontuou uma moradora que não quis se identificar.
Além do prefeito Henrique Budke, o vereador Arnaldo Glagau (PSD) e empreiteiros estavam entre os investigados. Segundo o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, eles teriam se unido para montar um esquema criminoso que desviou milhões de reais dos cofres públicos.
Conforme a investigação, somente no último ano, as fraudes nos contratos de obras na administração de Terenos ultrapassaram os R$ 15 milhões.
Preso em 9 de setembro, Budke permaneceu detido por 20 dias no Presídio Anísio Lima, em Campo Grande. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no início de outubro determinou a soltura do prefeito e dos outros 15 acusados. A decisão, contudo, impôs o uso de tornozeleira eletrônica e o afastamento do cargo público, medida que pode ser estendida também ao parlamentar implicado na operação.
A Spotless é um desdobramento da Operação Velatus, que, pouco antes da reeleição de Budke, levou à prisão seu então secretário de obras. O motorista Marcelo Rodrigues lamenta a reeleição de Budke mesmo diante do escândalo pouco antes da população ir às urnas.
Recuperação e gestão
Desde a operação e o afastamento de Budke, quem assumiu o comando da cidade foi o vice-prefeito, Dr. Arlindo (Republicanos). A coordenadora de governo, Eliane Nobre de Miranda, informou que o prefeito interino estava em Brasília buscando recursos e detalhou as medidas adotadas pela atual gestão.
O município rescindiu contratos investigados, assumindo serviços essenciais como limpeza e melhoria de vias rurais.
O psicólogo João Pedro Nowak destaca a responsabilidade dos agentes políticos que assumiram a cidade no processo de recuperação da estabilidade coletiva.
“Diante disso, a classe política que permanece precisa buscar estabelecer a confiança não apenas com discurso, mas sim com práticas éticas, com escuta e com presença”, afirma.
Nowak conclui que o tecido social depende da confiança, do reconhecimento mútuo e do exercício da lei. “E reconstruir ele a partir dos tensionamentos de uma grande investigação é sempre um ato coletivo”, finalizou.













