As investigações da Operação Turn Off, do Ministério Público Estadual, tem como fio condutor diversas relações familiares que ajudam a compreender o esquema criminoso. Irmãos, tio, cunhado e esposa são alguns dos parentescos citados na estrutura de pagamento de propina e fraude em licitações em Mato Grosso do Sul.


Conforme despacho do juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, a organização criminosa é chefiada pelos irmãos empresários Lucas de Andrade Coutinho e Sérgio Duarte Coutinho Júnior. A dupla comandou a fraude em processos licitatórios estaduais e em municípios do Estado, segundo o MPE, e iniciam o traçado do fio que logo chega a servidores do governo na gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB).

Os irmãos cooptaram Andréa Cristina Souza Lima, assessora na Secretaria de Educação (SED) e atualmente lotada na Casa Civil; Edio Antônio Resende de Castro, secretário-adjunto da SED; Simone Ramires de Oliveira Castro, assessora da Secretaria Estadual de Administração e Desburocratização (SAD), e Thiago Haruo Mishima, ex-gestor de contratos da Secretaria de Saúde.


As investigações também apontam o envolvimento dos servidores municipais Nilson dos Santos Pedroso e Fernando Passos Fernandes, e os gestores da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) em Campo Grande, Paulo Henrique Muleta Andrade e Kellen de Lis Oliveira da Silva.


De acordo com o MPE, a fraude ocorria de modo a favorecer empresas dos irmãos Lucas e Sérgio, além de outros investigados, em licitações ocorridas em Itaporã, Rochedo e Corguinho. Também de itens comprados pela Apae da Capital.


Logo entra em cena o tio dos chefes do esquema, Frederico Jorge Cortez Calux, dono da empresa Comercial T&C Ltda, que venceu lotes oferecendo valores superfaturados “muito superiores aos praticados no mercado à época”. A Comercial Isototal Eireli, de Lucas Coutinho, também foi beneficiada com o mesmo artifício.


“Formalizada a Ata de Registro de Preços n. 009/SAD/2022, os elementos de prova constantes nos autos apontam para a participação de Andréa Cristina Souza Lima, servidora pública estadual lotada na Secretaria de Estado de Educação (SED/MS) e de seu superior hierárquico Edio Antônio Resende de Castro, que passaram a direcionar a compra dos equipamentos de ar condicionado favorecendo os itens fornecidos pelo investigados, especialmente aquele de maior sobrepreço (18.000 Btus)”, informa o juiz Eduardo Siravegna Júnior.


De acordo com as investigações, em decorrência da formalização dos contratos para fornecimento de equipamentos de ar condicionado pela empresa Comercial Isototal Eireli, os irmãos Lucas e Sérgio estipularam o valor da propina, tendo parte do pagamento sido feito diretamente à servidora Andréa no estacionamento da SED.


O pagamento de propina à gráfica LGS Garcia Leal contou com a participação de Victor Leite de Andrade, primo de Sérgio e Lucas e gerente do posto de combustíveis Posto América, de propriedade dos irmãos chefes do esquema. 


O Pregão Eletrônico n. 27/2022, da Secretaria Estadual de Saúde, teve como vencedora a empresa Isomed Diagnósticos Eireli-ME, que tem como proprietária Thaline Hernandez das Neves Coutinho, esposa de Sérgio.


“No referido processo licitatório, as mensagens de whatsapp apontam que a servidora Simone monitorava as propostas lançadas, repassando as informações para Lucas Coutinho (f. 75), o que resultou em benefício da empresa Isomed Diagnósticos Eireli-ME”, relata o magistrado.

Cunhado venezuelano

O posto de combustível gerenciado pelo primo dos chefes do esquema, Victor Leite de Andrade, foi responsável pelo pagamento de propina em dinheiro para a empresa D.R. Comunicação Ltda., de propriedade de Freddy Antônio Martinez Ochoa, empresário venezuelano e cunhado de Thiago Haruo Mishima, ex-assessor na Secretaria de Saúde, segundo o Ministério Público Estadual.


“Ressalta-se que a atuação do servidor Thiago não se restringiu ao Pregão Eletrônico n. 27/2022 – SES, haja vista que, por intermédio da servidora Márcia Barbosa Borges, orientou Sérgio Coutinho a encerrar o saldo remanescente do contrato firmado no ano de 2017 para viabilizar o novo procedimento licitatório”, diz o despacho.


O Pregão Eletrônico n. 99/2022, também da SES, teria ocorrido benefício à Health Brasil Inteligência em Saúde Ltda. E aí retorna a cena a esposa de Sérgio Coutinho, Thaline Hernandez.


“Em que pese a empresa Health Brasil não pertença aos investigados, extrai-se que o objeto do contrato consiste na prestação de serviços de fornecimento/locação de equipamentos de modalidade médica, sistemas PACS/RIS, e Infraestrutura de Tecnologia, que por sua vez é ligado à empresa ISOMED DIAGNÓSTICOS, de propriedade da esposa de Sérgio Coutinho, responsável pela interpretação e emissão de laudos de exames dos equipamentos fornecidos”, explica Eduardo Eugênio Siravegna Júnior.


Além das mencionadas licitações estaduais, as investigações apontam para atuação criminosa no âmbito de compras realizadas pela Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Campo Grande para o atendimento dos pacientes estomizados, com recursos provenientes de convênios firmados com o Governo do Estado.


Aí entra Paulo Henrique Muleta Andrade, um dos gestores da Apae. Segundo o MPE, chegou a ser cogitado pagamento de propina na conta bancária da esposa do coordenador técnico da Associação, porém, como Sérgio e Lucas tiveram “receio” de fazer desta forma, houve o pagamento em espécie no dia 16 de julho de 2019.


“Outrossim, de acordo com as mensagens interceptadas, Paulo Henrique receberia a título de propina o montante equivalente a 4% das vendas efetuadas a APAE”, aponta o MPE.


Conforme conversas de 2022 interceptadas pela investigação, além do auxílio prestado pelo coordenador técnico Paulo Henrique, o favorecimento dos investigados também foi promovido por Kellen de Lis Oliveira da Silva, supervisora do setor de estomaterapia e curativos do Centro Médico e de Reabilitação da Apae.


Todas essas informações contribuíram para que o juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior decretasse as oito prisões e os 35 mandados de busca e apreensão da Operação Turn Off.


“Outrossim, a contemporaneidade pode ser constatada pela existência de diversos diálogos mantidos ao longo de 2022, cujos contratos perduram em execução no corrente ano, como ocorre nos contratos n. 0147/2022 (02/12/2022), n. 035/2022, 066/2022, e 087/2022 (16/02/2023), com efeitos de execução no ano de 2023”, justificou o magistrado.


“Deste modo, diante a amplitude do grupo criminoso, tem-se por indispensável a medida pleiteada pelo Ministério Público para adequada investigação e posterior aplicação da lei penal”, definiu.